DATA DE JULGAMENTO: 26/08/2014
RELATOR(A): RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS
REVISOR(A): PAULO SÉRGIO JAKUTIS
ACÓRDÃO Nº: 20140724529
PROCESSO Nº: 00013672220125020046 A28 ANO: 2014 TURMA: 4ª
DATA DE PUBLICAÇÃO: 05/09/2014
PARTES:
RECORRENTE(S):
Vagner Roberto Bonfim de Souza
RECORRIDO(S):
Stop Bank Controladora de Acessos LTDA -
Coop Cooperativa de Consumo
Sonda Supermercados Export Import S/A
Santa Aldeia Eventos LTDA
EMENTA:
DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXAUSTIVA. RESTRIÇÃO SISTEMÁTICA
AO DESCANSO E LAZER. OFENSA A DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL.
DANO MORAL. Desponta na moderna doutrina uma nova abordagem
segundo a qual a imposição de jornadas exaustivas no
curso do contrato de trabalho possui aptidão para gerar
dano extrapatrimonial, na modalidade de "dano existencial".
Isto porque a ampliação do tempo de alienação com redução
das pausas intervalares e prorrogação sistemática de
jornada, implica em contraponto, a subtração de parcela
substantiva do tempo que o empregado deve ter para si, ocasionando
dano à própria existência do trabalhador, vez que
importa confisco irreversível de tempo que poderia destinar
ao descanso, convívio familiar, lazer, política de
classe ou em geral, estudos, reciclagem profissional, práticas
esportivas, música, e tantas outras oportunidades de
enriquecimento do corpo e do espírito. Neste sentido conceitua
Hidemberg Alves Frota: "O dano existencial constitui
espécie de dano imaterial que acarreta à vítima, de modo
parcial ou total, a impossibilidade de executar, dar
prosseguimento ou reconstruir o seu projeto de vida (na dimensão-familiar,
afetivo-sexual, intelectual, artística,
científica, desportiva, educacional ou profissional, dentre
outras) e a dificuldade de retomar sua vida de relação
(de âmbito público ou privado, sobretudo na seara da convivência
familiar, profissional ou social). Subdivide-se
no dano ao projeto de vida e no dano à vida de relações.
Em outras palavras, o dano existencial se alicerça em 2
(dois) eixos: de um lado, na ofensa ao projeto de vida,
por meio do qual o indivíduo se volta à própria autorrealização
integral, ao direcionar sua liberdade de escolha para
proporcionar concretude, no contexto espaço-temporal
em que se insere, às metas, objetivos e idéias que dão sentido
à sua existência; e, de outra banda, no prejuízo à
vida de relação, a qual diz respeito ao conjunto de relações
interpessoais, os mais diversos ambientes e contextos,
que permite ao ser humano estabelecer a sua história vivencial
e se desenvolver de forma ampla e saudável, ao comungar
com seus pares e experiência humana, compartilhando
pensamentos, sentimentos, emoções, hábitos e reflexões,
aspirações, atividades e afinidades, e crescendo, por meio
do contato contínuo (processo de diálogo e de, culturas
e valores ínsita à humanidade." (Hidemberg Alves da Frota,
Noções Fundamentais Sobre o Dano Existencial, Revista
Latino Americana de Derechos Humanos, Vol. 22 (2): 243,
Julio-diciembre, 2011 (ISSN: 1659-4304 pgs. 251/ dialética)
em torno da diversidade de ideologias, opiniões, mentalidades,
comportamentos 252). In casu, o Juízo firmou o
seu convencimento no sentido de que o trabalhador estava
efetivamente sujeito a jornadas exaustivas, conforme a descrição
contida na petição inicial, que não foi elidida
por nenhum elemento apto em sentido contrário, nos termos
da Súmula nº 338, I, C. TST. Nesse contexto, ficou apurado
que, muitas vezes, o trabalhador cumpria jornada excessiva
durante o dia, retornando a noite para trabalhar no
serviço de "valet", deixando o posto de trabalho no meio
da madrugada e retornando na manhã seguinte. Ora, a longa
faina contínua se traduz em cansaço e maior probabilidade
de acidentes do trabalho, implicando ofensa a direitos
basilares da pessoa humana. São de conhecimento público as
conseqüências negativas do trabalho sem intervalo e sem
descanso adequado, merecendo repúdio tais imposições. Ademais,
a ausência de adequado descanso impossibilita o pleno
exercício do direito ao trabalho, já que restringe aspotencialidades
do trabalhador ao afetar profundamente a
sua saúde e capacidade físico-mental. Assim, restando provada
a insólita conduta patronal, com a prática de abuso
do poder diretivo ao exigir jornadas exaustivas (ainda que
pelo mecanismo perverso da "compra" do direito irrenunciável)
e restrição dos direitos ao descanso/lazer, com óbvias
conseqüências à saúde do obreiro, que se via na contingência
de ter que produzir sem poder refazer as energias
dispendidas, resultaram ofendidos direitos humanos fundamentais,
atingindo-se a dignidade, a liberdade e o patrimônio
moral do demandante, de tal resultando a obrigação
legal de reparar.
ÍNDICE:
DANO MORAL E MATERIAL, Indenização por dano moral em geral