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PARECER/CJ Nº 2.456/2001.
Publicado no DOU de 14/05/2001
 

EMENTA: CONTRATO DE FRANQUIA. POSSIBILIDADE. EX -EMPREGADOS Não há óbice legal de que ex-empregados passem a ser Franqueados de seus ex-empregadores, desde que observado o disposto na Lei n.º 8.955/94. 


  Esta consultoria é instada a se manifestar sobre a possibilidade jurídica de empresas ao se reformularem estabelecerem contratos de Franquia com seus ex-empregados, que na nova organização ocupariam a posição de franqueados, passando de empregados a donos de seus próprios negócios. 

2. Para a análise da questão necessário se faz um breve estudo do instituto da Franquia ou Franchising. 

3. Adalberto Simão Filho preleciona que o contrato de franquia ou franchising, tem origem remota nos Estados Unidos logo após a guerra da secessão, quando os industriais do norte do país, celebraram acordos com diversos comerciantes do sul e oeste, para que estes passassem a distribuir através da venda, produtos da marca que possuíam. No entanto teve seu impulso e contornos definidos logo após a segunda guerra mundial. Com o retorno dos ex-combatentes aos EUA viu-se a necessidade de inserir estes trabalhadores no mercado de trabalho. Contudo as dificuldades financeiras do pós guerra, impossibilitava a adoção de grandes investimentos no mercado e na indústria. Difundiu-se a utilização do franchising, por parte dos ex-combatentes, e outros interessados, uma vez que estes poderiam ingressar no comércio imediatamente, sem a necessidade de aporte de grandes capitais e experiência comercial em função da metodologia operacional apresentada em forma acabada pelos franqueadores, e graças à tutela de empresas cujas marcas já eram fortalecidas no mercado e com grande aceitação.(Adalberto Simão Filho, Franchising, Atlas 3ª Edição, julho 1998, 17/18) 

4. No Brasil, segundo Rubens Requião, o contrato examinado apareceu sob a forma de concessão mercantil, como técnica de distribuição de filmes cinematográficos das grandes empresas que detinham a marca dos conceituados estúdios norte-americanos, passando posteriormente a ser utilizado pela indústria. As empresas importadoras de veículos também começaram a utilizar o instituto, mediante concessão exclusiva, para distribuição dos veículos importados que ingressaram no país. (Sérgio Pinto Martins, a Terceirização e o Direito do Trabalho, Malheiros, 2ª edição) 

5. Para o franqueado a vantagem consiste em trazer consigo um know-how de uma marca já estabelecida e conhecida junto ao público, enquanto o franqueador tem a possibilidade de expandir seu campo de vendas sem que seja necessário grande aporte de capitais pois não arcará com despesas de filiais, agências, sucursais e lojas próprias. 

6. Segundo o autor italiano Enrico Zanelli no ensaio intitulado "II franchising nella tipologia concessioni tra impresse" a franquia é o contrato mediante o qual uma parte concede a outra o exercício, em determinadas condições e sob o controle do concedente, de uma atividade, normalmente de produção e prestação de serviços, valendo-se do recíproco interesse. Trata-se de uma concesão de meios comuns, seja de signos distintivos e de outros elementos de identificação seja de patentes de invenção, seja de outros conhecimentos (know-how), e de assistência técnica contra a prestação correspondente, por parte do concessionário, de um preço ou compensação, normalmente composta de uma parte variável, proporcional ao giro de negócios realizados pela concessionária(royalties). 

7. Por vez o já citado autor Adalberto Simão Filho conceitua o instituto do franchising, "como um sistema que visa à distribuição de produtos, mercadorias ou serviços em zona previamente delimitada, por meio de cláusula de exclusividade, materializado por contrato 

mercantil celebrado por comerciantes autônomos e independentes, imbuídos de espírito de colaboração estrita e recíproca, pelo qual, mediante recebimento de preço inicial apenas e/ou prestações mensais pagas pelo franqueado, o franqueador lhe cederá, autorizará ou licenciará para uso comercial propriedade incorpórea constituída de marcas, insígnias, título de estabelecimento, know-how, métodos de trabalho, patentes, fórmulas, prestando-lhe assistência técnica permanente no comércio específico." 

8. É notório que o fenômeno da globalização tem trazido consequências em todas as áreas, tratando-se de processo irreversível ao qual terão que se adequar o governo, as empresas e o mercado de trabalho. Neste "novo mundo globalizado" a concorrência deixou de ser apenas interna, passando a ser mundial. É natural pois que as empresas busquem maneiras de diminuir custos, buscando mais eficiência e produtividade para que possam continuar sobrevivendo no novo panorama mundial. 

9. A terceirização de parte das atividades foi uma das formas encontradas por muitas empresas, para diminuir os custos de produção, desenvolvimento e distribuição de seus produtos. É uma realidade a qual não pode ficar refratária tanto o Direito do Trabalho quanto o Direito Previdenciário, sob pena de se atravancar a geração de riquezas e o conseqüente desenvolvimento econômico e social do país. Novas formas de organização empresarial e relações de trabalho diferentes da relação empregatícia tendem a acentuar-se, não significando necessariamente intuito fraudulento. A franquia ou "franchising" não deixa de ser uma forma de terceirização, que ressalvando-se suas peculiaridades não encontra óbice em nosso ordenamento jurídico. 

10. Ressalte-se por oportuno, que a República Federativa do Brasil tem por um dos fundamentos previstos no artigo 1º, IV da Constituição Federal, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Novamente o artigo 170 de nossa lei maior, preceitua que a ordem econômica, é fundada na valorização do trabalho e da livre iniciativa. 

11. Segundo José Afonso da Silva "a liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato" Consta do art. 170, como um dos esteios da ordem econômica, assim como de seu parágrafo único, que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica , independente de autorização de órgãos públicos, salvo casos previstos em lei" (José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 10 ª edição, Malheiros Editores, pag 725). 

12. É certo portanto que não há como o poder público ingerir-se no processo de transformação de empresas que ao se reestruturarem queiram adotar o sistema de franquia e ter como franqueados seus ex-empregados. Tal ingerência na administração de negócios empresariais, se houvesse não se coadunaria com o espírito de nossa Carta Constitucional. Ressalte-se no entanto que tal transformação quando feita deve observar a legislação específica que trata do tema. 

13. No Brasil o franchising é regulado pela Lei 8.955, de 15 de dezembro de 1994, que em seu artigo 2º assim o conceitua: 

Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício. 

14. Fran Martins, em sua obra Contratos e Obrigações Comerciais, 9º edição editora FORENSE, ao discorrer sobre os elementos da Franquia assevera o caráter comercial do instituto ressaltando que franqueador e franqueado devem ser comerciantes: 

"(...)O franqueado (franchisee) é também uma empresa individual ou coletiva que quase sempre se forma com a finalidade de fazer a distribuição do produto. Como, em regra, as operações de franquia são destinadas às médias empresas, essas são geralmente constituídas como empresas comerciais. Nada impede que uma empresa já formada passe a ser franqueada; o comum, entretanto, é a empresa se formar para as operações de franquia. 

De qualquer modo, franqueador e franqueado devem ser comerciantes. A franquia é assim, uma operação comercial " 

15. Uma das características da franquia é a independência existente entre franqueador e franqueado ou seja deve haver autonomia empresarial deste em relação àquele, sob pena de se configurar verdadeira relação empregatícia o que desnaturaria o instituto da franquia, conforme se depreende da parte final do artigo 2º da Lei nº 8.955/94. 

16. A priori não existe obstáculo de que os franqueados sejam ex-empregados da empresa franqueadora, nem se pode partir do pressuposto que a ocorrência de tal fato seja indício de fraude. Deve-se pois analisar com parcimônia cada caso concreto, mormente a relativa novidade do contrato de franquia, que não obstante ter alguns pontos semelhantes com o contrato de trabalho, deste difere na sua essência haja vista seu caráter eminentemente comercial. 

17. Segundo Sérgio Pinto Martins é na autonomia das partes e no grau de subordinação entre os pactuantes da franquia, que se irá distingui-la da relação de emprego. O verdadeiro "Franchising", não pode caracterizar vínculo de emprego. O que distinguirá as duas situações- contrato de trabalho e contrato de franquia- são dois elementos: o poder de direção do empregador e a subordinação. Ressalte-se que o contrato de trabalho é informado pelo princípio da primazia da realidade sobre o intrincado nome que foi dado ao pacto. Deve-se no caso, "to lift the corporate veil"(levantar o véu da corporação ou manto que envolve o contrato) para se analisar a realidade dos fatos e descobrir se existe contrato de trabalho ou de franquia. É o caso, inclusive , de se utilizar da teoria do "disregard of legal entity", ou seja, da desconsideração da pessoa jurídica franqueada, considerando-se as franqueadas empregadas de quem recebe a prestação do serviço, tal como se não existisse a empresa franqueada 

(...) 

Os elementos subordinação e autonomia das partes, para nós são essenciais nessa diferenciação e irão indicar se a terceirização será válida ou não. 

Se o grau de subordinação da franqueada à franqueadora for acentuado, não tendo aquela qualquer autonomia na realização dos seus negócios, tem-se caracterizado um contrato de trabalho e não de franquia, principalmente se a primeira for pessoa física. 

Daí ressaltamos o cuidado que se deve ter na elaboração de contratos de franquia, a fim de evitar lacunas, assim como na situação fática realmente existente, que poderiam descaracterizar o contrato comercial e configurar a relação de emprego.(Sérgio Pinto Martins, A terceirização e o Direito do Trabalho, Malheiros 2ª edição, 62/63) 

Destarte, conclui-se que não existe óbice legal no fato de empresas reestruturassem adotando o sistema de franquias e de terem como franqueados seus ex-empregados, desde que o contrato de franquia firmando obedeça o disposto na Lei nº 8.955/94, e não haja de fato continuação da relação empregatícia anteriormente existente, sob pena de desconfigurar o contrato de franquia empresarial, o que é vedado pelo artigo 2º do aludido diploma legal. 
  

À consideração superior. 
Brasília, de maio de 2001. 

ANDRÉ GUSTAVO BEZERRA E MOTA
Assistente 

 
Aprovo. 
À consideração superior. 
Brasília, de maio de 2001. 

INDIRA ERNESTO SILVA QUARESMA
Coordenadora-Geral de DireitoPrevidenciário 

 
Aprovo. 
À consideração do Sr. Ministro, para fins do disposto no art. 42 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. 
Brasília, de maio de 2001. 

ANTÔNIO GLAUCIUS DE MORAIS
Consultor Jurídico 


Serviço de Jurisprudência e Divulgação
Última atualização em 2/09/2002