TRIBUNAIS  SUPERIORES - JURISPRUDÊNCIA TRABALHISTA

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL Nº 406.729 - RJ (2002/0002576-2) – DJ 30/09/2002


RELATOR:         MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR

RECORRENTE:  MARIA DE JESUS MESQUITA FERREIRA 
ADVOGADO:     ALBERTO RIBEIRO HERDY FILHO E OUTRO
RECORRIDO:    ALOÉS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA 
ADVOGADO:    JOSÉ OSWALDO CORRÊA E OUTROS

EMENTA

CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. ESCALPO PROVOCADO POR SUCÇÃO DE MÁQUINA INDUSTRIAL DURANTE LIMPEZA DO AMBIENTE. DANO MORAL E ESTÉTICO. "DOTE". CC, ART. 1.538, § 2º. EXEGESE. INCLUSÃO COMO DANO MORAL. VALOR.
I. O chamado "dote", previsto no art. 1.538, parágrafo 2º, do Código Civil, destinado a indenizar a mulher lesionada com aleijão ou deformação, que, em razão da idade, seria, em tese, capaz de aspirar novo casamento, e que fica, pela seqüela permanente, a tanto prejudicada, é, hodiernamente, ressarcido como dano moral, assim devendo ser considerado quando da fixação do montante pelo órgão judicial.
II. Assim feito pelo acórdão a quo, como se depreende da sua fundamentação, o mesmo acontecendo com o dano estético, também avaliado expressamente dentro daquela espécie, inexiste ofensa, no particular, à legislação apontada, ou supressão do direito da autora, que obteve o reconhecimento da Corte em relação aos pedidos feitos.
III. Lesão, todavia, que por sua gravidade merece ter elevado o quantum indenizatório, para melhor se adequar aos parâmetros utilizados pelo STJ em caso de seqüelas físicas permanentes.
IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido. 
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, 
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe parcial provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Barros Monteiro e Ruy Rosado de Aguiar. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Cesar Asfor Rocha.
Custas, como de lei.
Brasília (DF), 20 de agosto de 2002(Data do Julgamento)

MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR
Presidente e Relator 

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Maria de Jesus Mesquita Ferreira interpõe, pelas letras "a" e "c" do art. 105, III, da Carta Política, recurso especial contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado (fl. 225):

"RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DO TRABALHO PELO DIREITO COMUM.
Preliminar de cerceamento de defesa.
Não alegada a nulidade, na primeira oportunidade em que cabia a parte falar nos autos, opera-se a preclusão (artigo 245 do Código Civil).
Assim, se a parte interessada, por ocasião da audiência, não protestou por prazo para dizer sobre o laudo, não pode vir fazê-lo depois.
Desacolhimento da preliminar.
Culpa que decorre de ato de negligência. Evidência que avulta do ato de permitir que pessoa não preparada trabalhe próximo a equipamento altamente perigoso.
Argumento falacioso quanto a ter a vítima dado causa ao acidente.
Serviçal contratada para um serviço e desviada para outro, ao qual não podia se recusar. Exegese do artigo 335 do Código de Processo Civil.
O dano estético é subespécie do dano moral, devendo ser considerado no âmbito desse, agravando-o, como no caso, porém incabível a cumulação. Mulher jovem que perdeu o couro cabeludo, em máquina com alto poder de sucção.
Período de incapacidade. Não há razão jurídica para que seja estendido até à data da entrega da primeira prótese (peruca).
O dever de indenizar por ato ilícito não se confunde com o benefício que é pago pelo INSS ao obreiro temporariamente incapacitado.
Compensação descabida, posto que o empregador não é credor em razão do benefício previdenciário.
Provimento parcial dos dois recursos."
 Alega a recorrente que a decisão violou o art. 1.538, parágrafo 2º, do Código Civil, porquanto a verba indenizatória nele consignada não se confunde com o dano estético, de modo que cabia ser deferida tal como postulada na inicial. Diz que a expressão "dote" é destinada a reparar a lesão que uma mulher jovem, com naturais anseios de ter uma vida amorosa normal, sofre ao ver dificultadas suas possibilidades de casar-se e constituir família, a tanto chegar em razão de acidente, cujas seqüelas inviabilizam ou prejudicam aquele ideal normal ao ser humano.

Aduz, mais, que o dano estético também não se confunde com o moral, de modo que não podem ser reunidos, cabendo a sua avaliação em separado, e não em um único valor englobado, como feito, tudo a título de moral.

Reclama, por fim, da atualização em salários mínimos, apontando dissídio nesta parte.

Contra-razões às fls. 280?283, pugnando pela manutenção do decisum.

O recurso da autora foi admitido, e inadmitido o especial da ré, que igualmente o intentara (fls. 294?297).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (RELATOR): Trata-se de recurso especial aviado pelas letras "a" e "c" do autorizador constitucional, onde se discute sobre indenização a ser paga à autora, que, executando limpeza como empregada de empresa prestadora de mão-de-obra terceirizada, teve seu couro cabeludo sugado por máquina, causando-lhe lesões físicas, inclusive permanentes, além de danos morais.

É apontada ofensa ao art. 1.538, parágrafo 2º, do Código Civil, que reza:

"Art. 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente.
................................................................................................................
§ 2º. Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito".

No julgamento do REsp n. 248.869?PR, assim me pronunciei sobre a interpretação do que representa, modernamente, o ressarcimento preconizado no caput acima transcrito. Disse, no voto condutor daquele aresto, o seguinte:

"Isso, todavia, não leva à conclusão de que a dobra é devida no caso dos autos. 
É que o objetivo da citada dobra, ao que se extrai da redação do art. 1.538 e seu parágrafo 1o, do Código Civil, é a compensação pelo 'aleijão ou deformidade', isto é, o que hoje a jurisprudência vem ressarcindo mediante a indenização pelo chamado dano estético, aqui igualmente postulado pelo autor. Ambos possuem igual origem, natureza e destinação.
Daí que, se deferida a dobra e ainda o dano estético, que defiro a seguir, haverá um bis in idem, o que é inadmissível."

Na espécie dos autos, não se cuida de pedido alusivo ao parágrafo 1o (dobra), mas do parágrafo 2º (dote), o que, entretanto, recai na mesma interpretação, já que ela é dada, como explicitado, ao caput do art. 1.538, sobre ser a sua natureza englobada no dano estético, o primeiro caso, e moral, o segundo.

Especificamente quanto ao dote, assim se manifestaram, ainda, os seguintes arestos, litteris: 

"RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO A SER PAGA PELO DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM, A VÍTIMA DE ACIDENTE CAUSADO PELA MÁ CONSERVAÇÃO DA RODOVIA, DOTE, ARTIGO 1.538, PARÁG. 2º DO CÓDIGO CIVIL. CEGUEIRA TOTAL.
A verba alusiva ao dote, de que cuida o art. 1.538, parág. 2º, do Código Civil, apresenta nos termos atuais caráter também compensatório de danos morais. Mulher jovem, divorciada, vitimada por cegueira total e a decorrente depressão psíquica. Fixação, pela sentença, em cinqüenta salários mínimos. Condenação restabelecida.
O recurso especial, pela alínea 'c' não pode ser conhecido, se trazidos a colação apenas arestos do mesmo tribunal (Sumula n. 13 - STJ).
Apelo especial conhecido pela alínea 'a' e, em parte, provido."
(4ª Turma, REsp n. 28.095?RJ, Rel. Min. Athos Carneiro, por maioria, DJU de 17.05.1993)
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"CIVIL - DANO MORAL, MATERIAL E ESTÉTICO - CUMULABILIDADE - JUROS COMPOSTOS - DOTE - MATÉRIA DE FATO.
I - Inadmissível a indenização por dano moral e dano estético, cumulativamente, ainda derivados do mesmo fato, quando, embora de regra subsumindo-se naquele, comporte reparação material, já concedida, nem assim é de se deferir rubrica, a título de dote, quando esta contenha índole compensatória de danos morais deferidos.
II - Juros compensatórios são exigíveis tão só daquele que haja praticado o ilícito (preposto) e não do preponente.
III - Matéria de fato (Súmula 07?STJ).
IV - Recurso não conhecido."
(3ª Turma, REsp n. 156.453?SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, por maioria, DJU de 17.05.1999)

 Conclui-se, pois, que o dote é, hoje, compensado pelo dano moral, assim devendo ser considerado para a sua fixação também as seqüelas previstas no parágrafo 2º do art. 1.538 do Código Civil, quando se cuide de mulher potencialmente prejudicada em suas perspectivas amorosas, em face das seqüelas sofridas.

Não se configura, dessa forma, ofensa ao referenciado dispositivo legal.
 
E, em relação ao dano estético, ele, induvidosamente, é distinto do dano moral, mas somente haveria ofensa ao direito da autora se ele tivesse sido indeferido pelas instâncias ordinárias, o que não aconteceu concretamente, como se constata do seguinte excerto do voto da relatora (fl. 228):

"No que pertine ao dano, tenho o estético como subespécie do dano moral, aquele devendo ser considerado no âmbito desse último, agravando-se, se for o caso, como na espécie se apura dever ser, não se admitindo nessa linha de raciocínio, sejam cumulados o dano estético ao dano moral.
Com efeito, trata-se de uma jovem de vinte e três anos, à época, que teve seu couro cabeludo arrancado e junto, certamente, muitas de suas ilusões e esperanças no futuro, podendo-se inferir o quanto de dor moral que acometeu e abateu essa jovem ao se ver abruptamente despojada de seus cabelos, por puro ato de descuido de uma empresa que não protegeu seus serviçais como devia. Cotejando-se a grandeza da dor da vítima e as condições do ofensor, adoto como valor do dano moral o correspondente a 300 (trezentos) salários mínimos...".

Os votos vogais (fl. 229), discreparam apenas da fixação conjunta, mas não desejaram destacar, concretamente, a parcela de um e de outro, mesmo após o julgamento dos embargos declaratórios, pelo que ficou mantida a cumulação, no total de 300 salários mínimos, considerando, em suma, o dano moral, o estético e o ressarcimento alusivo ao "dote", este como um aspecto do primeiro.

Mas, à medida em que a autora postula acréscimo por tais danos, evidentemente está, igualmente, a inconformar-se com o valor, no que tem razão em parte.

A seqüela foi de natureza grave, como descreve a sentença e o acórdão, já que a autora terá, para sempre, de usar prótese capilar (peruca) para esconder a calvície quase total, causando lesão estética que é mais severa no sexo feminino, além do incômodo do uso e do dano moral com a angústia da perda da beleza de forma brutal.

Por tais circunstâncias, elevo o valor da indenização para R$80.000,00 (oitenta mil reais).

Ante o exposto, conheço em parte do recurso e dou-lhe parcial provimento, nos termos acima.

É como voto.

Serviço de Jurisprudência e Divulgação